Por centenas de
milhares de anos, a família tem sido o núcleo fundamental de todas as
sociedades humanas. A sua origem está enraizada em determinantes biológicos
muito fortes da evolução da espécie. Todos os primatas não humanos apresentam
alguma forma de organização grupal centrada na comunalidade biológica (pais e
filhos), mas foi em nossa espécie que se estabeleceu a importância da
organização familiar como base social.
Nas poucas
sociedades em se constatou a dissolução da base familiar, isso ocorreu em
circunstâncias totalmente sociopatológicas. Por exemplo, na sociedade
canavieira escravagista da Jamaica, ocorreu uma distorção completa da sociedade
como a conhecemos: o casamento era condenado tanto pelos escravizadores quanto
pelos escravizados, a família era impensável para a maioria da população, e a
promiscuidade era a norma; a educação era considerada perda de tempo, e um
estado de total desintegração caracterizava as artes, o folclore, a justiça,
etc. Evidentemente, ela não sobreviveu por muito tempo.
Ultimamente, tem
havido uma preocupação muito grande com os rumos da família nas sociedades
ocidentais modernas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, mais de 20 % dos
núcleos familiares são constituidos por apenas um dos pais, e a dissolução de
famílias pelo divórcio têm atingido proporções alarmantes. O efeito disso sobre
a criação e educação das crianças é ainda pouco conhecido, mas pode explicar
algumas das tendências desagregadoras da nossa sociedade.
Até que ponto a
evolução da tecnologia influencia essas mudanças ? Um dos principais fatores
sociológicos da desagregação familiar é, sem dúvida, a maior educação que as
mulheres passaram a receber neste século, e a sua entrada maciça no mercado de
trabalho. Isso pode parecer um argumento machista meio odioso, mas não é. São
fatos cientificamente comprováveis. O funcionamento da família humana sempre se
baseou em uma divisão de trabalho entre homens e mulheres. Outro fator é a
maior liberação dos costumes sexuais. A coesão matrimonial é em grande parte
mantida pela continuidade da ligação sexual ao longo de praticamente todo o
ciclo sexual da fêmea. Nada disso existe nos outros primatas, e esses fatores
tiveram, inclusive, repercussões sobre a nossa biologia. É facil comprovar que,
se sendo esses fatores muito correlacionados, uma alteração da divisão de
trabalho e da ligação sexual inevitamente leva a uma maior enfraquecimento do
grupo familiar.
A tecnologia pode
aumentar ou reduzir esse enfraquecimento. Por exemplo, um dos desenvolvimentos
mais interessantes que a tecnologia está proporcionando é o teletrabalho. Se
ele continuar aumentando, terá enorme repercussão sobre a organização familiar.
Teletrabalho é a possibilidade de você trabalhar em uma empresa ou instituição
sem precisar sair de casa. Com o crescimento das redes de computadores, alguns
tipos de trabalhos não necessitam o deslocamento físico do trabalhador. Usando
um computador doméstico e um aparelho chamado modem, é possível interligá-lo
com os computadores do escritório ou fábrica. Atualmente, nos EUA, cerca de 10
% dos postos de trabalho estão dentro dos lares. Uma ocupação deste tipo, muito
comum, é o uso de mães de família para transcrever e digitar no computador os
dados médicos para os prontuários de hospitais. Outro é a prestação de serviços
de informação de todo tipo, através de redes de computadores.
Embora possa
parecer aborrecido para as mulheres, o teletrabalho facilita a conciliação do
dilema maternidade-trabalho, e aumenta a participação do homem no ambiente
familiar. Meu argumento é que, à medida em que homens e mulheres puderem
assumir novos papéis de cooperação doméstica, graças a essas tecnologias, os
laços familiares poderão ser reforçados novamente. Quem sabe ?
Renato M.E. Sabbatini
Publicado em: Jornal Correio Popular,
21/7/94, Campinas,
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